sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Gosto de bem comer ou livro de receitas?

Não há bloguista que não tenha o seu leitor de estatísticas, mantido mais ou menos em segredo. Dá para afagar o ego, mais vulgarmente dito coçar o umbigo, ou, mais sabiamente, para refletir sobre coisa importante: “vale a pena o esforço da minha escrita?”.
Claro que isto é mais complicado, porque há muitas outras perguntas subjacentes: “O que é que eu pretendo?” “Quem desejo que me leia?” “Não passo sem a gratificação de ser lido por muitos e muitos?” “Que preço pago para que me leiam muitos e muitos?” “Que imagem minha tenho de defender?”.
Isto vem a propósito de alguns conselhos amigáveis de um autor muito bem sucedido com o seu blogue de gastronomia/cozinha/receitas, a quem pedi opinião sobre o que são os truques da blogosfera gastronómica em que estou a entrar outra vez. Começa logo por esta coisa elementar. Tenho escrito “do gourmet”, mesmo este blogue se chama “o gosto de bem comer”, tudo valoriza a cultura gastronómica, o gozo e o prazer da mesa, mais do que o catálogo de receitas, embora o tenha.
Diz-me o meu amigo, provavelmente com muita razão, que assim não vou lá (ir lá, quer dizer muitos leitores). Há uma grande rede, com processos úteis de busca e referência cruzada, que só se interessa por receitas. Cultura gastronómica, notas de bom gosto, são para conversa de amigos. Com muito “know how”, diz-me que é essencial, para sucesso neste circuito, até cuidar dos títulos dos “posts”, apontar sempre para receitas, principalmente com ingredientes na moda. Importante também, porque há a “googlice” por imagens, muitas fotos de cada passo da confeção. Que rede é esta? Cozinheiros parasitas? Tias a fazerem circular as mesmas receitas? Olivers e outros chefes da net? Se calhar coisa bem mais simples: a mãe de família que se deu ao luxo de comprar um produto desconhecido, que ela advinha ser coisa requintada e que vai à net procurar uma receita para o dito cujo.
Dei-me ao trabalho de analisar este reino gastronómico/culinário da net, por amostragem pouco rigorosa. Grosso modo, vou distinguir três áreas: 1. a crítica de restauração; 2. a conversa de cultura gastronómica, sua história, suas normas, seus valores; 3. as receitas.
1. De crítica de restauração, pouco há na blogosfera portuguesa. Destaco o “no prato com” e tenho pena de não poder referir um blogue muito bom a que já não consigo aceder, parece que reservado a convidados, o “contra prova.  É muito pouco, a contrapor aos críticos encartados, dos suplementos dos semanários. "Googlei" pelos blogues equivalentes espanhóis. São muitas dezenas, muitos obviamente de grande saber, principalmente concentrados na crítica de restaurantes madrilenos e barceloneses.

2. De conversa gastronómica “pura”, da que eu gosto, divagando entre paladares, memórias,  erudições snobes e evocações de doidices de jovem, também há pouco. Mesmo que poucos, são os blogues que me merecem, quando tiver tempo, o destaque de chamada de atenção, na coluna ao lado. Quando o fizer, aviso.
3. Pior é o capítulo das receitas, que domina a net, como se vê se “googlarem” cozinha ou gastronomia. É claro que ninguém lá espera encontrar receitas de Adriá ou Santamaria. Mesmo encontrar centenas de receitas de Jamie Oliver ainda é aceitável, desde que não chamem grande chefe a esse sabidão destas lides de net culinária, que lhe faça bom proveito. O problema é que a enorme variedade de qualidade dos blogues de receitas é piramidal: um topo de muito boa qualidade mas correspondendo a um pequeno número, uma base enorme de nível rasteiro, ou não seria a base, tendo uma coisa em comum, os comentários de pessoas que até nos despertam simpatia, que querem fazer umas coisas jeitosas para amigos, e que inundam - uniformizando, nivelando por baixo - os comentários: “que apetecível!, que coisa tão imaginativa! (?), como os meus amigos vão gostar, que bom jantar vou fazer”. E as autoras babam-se, deliciadas.
Isto não tem nada de mal, muito pelo contrário. Esses leitores/comentadores desvanecidos são muitas pessoas que querem melhorar a sua péssima aprendizagem culinária, interrompida depois da urbanização foleira das suas vidas na vertigem pequeno-burguesa dos anos 60-70, que lhes destruiu as raizes. Que, recorde-se Sttau na Mosca, descobriram então a maravilha dos jaquinzinhos com natas o "must" das churrasqueiras. 

Simplesmente, e compreensivelmente, o nível de exigência e de deslumbramento dessa multidão de leitores é muito baixo. Dele vivem - e se conscientemente é desonestidade - centenas de escribas na net (e, em alguns casos, na televisão). Sem razão, porque, com um “jeitinho” para a cozinha, não “inventam” melhor do que os muito razoáveis folhetos que recolho no Pingo Doce aqui a riba de casa - e que até já foram da responsabilidade de uma ótima gastrónoma, minha amiga.

Não vou contribuir para este peditório. Se o tal sucesso de um blogue, medido pelo número de visitas, é isto, estou a perder o meu tempo. No entanto, como experiência “científica”, com análise estatística, vou fazer um exercício, o de publicar semanalmente uma receita que não seja de “tias”, uma receita em que me reveja criativamente, uma receita que não possa ser criticada (claro que pode ser sempre) por falta de técnica ou de cumprimento das regras essenciais de harmonia, composição, solfejo, orquestração, da boa cozinha. Até podem não ser minha invenção, apenas a divulgação do meu excelente património herdado. Também vou transformar em e-book, para descarga gratuita, toda a coleção de receitas que publiquei até agora no meu “site”. Vamos a ver. Vão ler-me 30 pessoas? Logo tirarei conclusões.

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