sexta-feira, 18 de março de 2011

A barra do lado

É hábito bloguístico listar na “barra do lado” outros blogues. Muitas vezes é “io ti do un cappello a te, tu me dai un cappello a me”. É simpático, mas é bom que cada bloguista, ao fazer a sua lista de favoritos ou de sítios recomendados esteja com isto a demonstrar o seu rigor e a fazer a imagem do seu próprio blogue. Já é tempo de o fazer neste “gosto de bem comer”. E assim vou justificar, principalmente a quem merecia figurar, que eu não tenha a lista na barra do lado.
Já me disseram “mas porque é que perdes tempo com tão ruins defuntos?”. Primeiro, porque tenho muito respeito por quem procura informação culinária básica, a valer bom sorriso do marido/mulher ou elogio dos amigos do jantar. Como isto é importante, na banalidade triste da vida de hoje! Depois, porque açoriano como eu, feito mentalmente entre basalto e mar, como se fosse o banco duro sobre o qual tão inesquecivelmente discorreu Graciliano, como regra de disciplina mental, fez-se anterianamente a pensar sobre “bom senso e bom gosto”.
Tenho dificuldade em fazer a tal lista (e, para simplificar, omito alguns blogues bons de enologia e críticas/sugestão de vinhos). Depois deste exercício, talvez consiga uma pequena lista. A primeira dificuldade é que, vendo a lista de vários anos dos meus blogues gastronómicos de alto nível, já muitos desapareceram. Gostava de saber por quê, mas palpita-me que sei. Como me sinto, foram afogados pela mediocridade, devem ter pensado que era inglório competir nesta blogosfera. No entanto, como ainda são visitáveis, vou relembrar alguns.
À cabeça, embora com coisas às vezes para mim irritantes, o que nos levou a quiproquós, o Avental do Gourmet, de um anónimo que muito sabia de gastronomia - pagava para ir aos grandes restaurantes estrangeiros, de que trazia notas - e era cozinheiro criativo (artisticamente criativo, não artesanalmente criativo), embora não no meu estilo (mas viva a diferença!). Memorável, o Bloco do chefe Cardoso, de Nuno Barros, da malta do 2781. O criterioso blogue de crítica de restaurantes Contra prova também se foi, provavelmente porque Lourenço Viegas escreve hoje em jornais. Também o No prato com. O DonVoxx prometia, principalmente em relação a vinhos, mas durou pouco. Finis também para o Fogão do kuka, de um cozinheiro sério, com gosto pela divulgação do que faz falta, boa técnica de base. E mais, para não alongar este escrito, mas sem desconsideração para os omitidos.
No entanto, destaque ainda para um que não sei se encerrado se só em letargia, o luisantonego, de um patrício meu que não conheço. Indescritível, imperdível, um prodígio de humor, inteligência, agudeza, boa escrita. Vão lá ver, mesmo que não esteja a publicar regularmente. Ah, ilhéus!… Vejam só o primeiro parágrafo do seu último “post”: "Gostaria de começar este post pelo intestino. Esse órgão apaixonante. Como é óbvio toda esta parlação e comilança acaba de uma forma ou outra por passar no intestino. Mas a questão até é um pouco mais ao lado das funções intestinais, pese embora a labreguice, presente no que vou relatar e claro sempre presente neste blog, que se vos apresenta sob a forma de rebuçado salgado, seja apanágio deste país. Ou seja, no fim é de cócó que estamos a falar.” 
Hoje, para mim, só dois três estrelas. Primeiro, imperdível, o Mesa marcada, feito por quem sabe da poda - Duarte Calvão, Miguel Pires e Rui Falcão. Mas é pura gastronomia, não procurem lá receitas, muito menos referências às Nigellas e aos Jamies. Também Virgílio Gomes tem um sítio abrangente, mais do que um blogue, com crónicas, notícias de livros, críticas. Altamente recomendável. Até perde tempo, como eu, na luta inglória de denunciar as aldrabices gastronómicas que andam pela net. Ainda, por enquanto sem classificação, um novo blogue que promete, o Clube Gulae, de um grupo de amigos que inclui uma jovem excelente gastrónoma e conhecedora de tudo o que por aí vai de restauração. Tem a quem sair, ou de pequenino é que se torce o pepino.
Na crítica de restaurantes, recomendo o Ponto come mas com alguma incerteza, porque a sua última entrada já data de Dezembro passado. Sabem de quem é? De um notável homem público, diplomata, ex-governante, homem de cultura, Seixas da Costa.
Caso especial é Dadivosa, um blogue brasileiro. A cozinha não é de topo, mas vale a pena pelo que de melhor tem o blogue, uma bela escrita envolvente. Vale a pena ir lá pelas crónicas, pela imaginação e pela graça das conversas, pela maestria no uso da nossa língua. Vejam só: “Vai daí que aquela rama de salsa crespa, semi-desmaiada, aquela mesma, que foi esquecida fora d’água em dias de tempo seco por demais, não foi desperdiçada. Amarrei-lhe um barbante nos pés juntos, pendurei todo mundo de cabeça para baixo na prateleira e depois de uma semana a “peça decorativa” perde uns galhinhos a cada vez que invento uma cozinhança. Esfrego umas quantas folhas entre os dedos e alegro o que estiver na mira. É a redenção da salsa crespa, que sai do castigo para ornar e perfumar omeletes, risotos, sopas rápidas, guisadinhos e gororobas mil. Um castigo temporário, portanto, bem melhor do que o fundo do lixo.” Temos escritor!
Podia passar aos “uma estrela” (nada mau, no panorama da nossa blogosfera gastronómico-culinária). São sérios, têm preocupação de criatividade, revelam bom gosto, iria com curiosidade a um jantar feito pelos autores. No entanto, como dois ou três dos seus autores - com um pé no lado de alguma qualidade e o outro no lado da vã glória dos elogios das tias - já me fizeram saber que não aceitam o meu direito a ser "júri", fico por aqui. Limito as minhas referências a quem não se feriu com a estrela simples,  o Garficopo e os Cinco quartos de laranja. Têm ambos em comum, como eu gosto, o embrulho das receitas em boa "conversa fiada" (repito: vejam a Dadivosa).

Para mim, a barra do lado seria só isto. Muito pouco, quando há centenas de blogues portugueses de culinária, coisas na net com que não devia perder tempo, não fosse esta minha mania de “defesa do consumidor”. Mesmo assim, com justiça, distingo. Há autores/as que dizem, pura e simplesmente, “gosto de cozinhar e quero partilhar este gosto”. Até mesmo, temos de aceitar, "só cozinho com a Bimby e vou usar este blogue para as minhas dicas sobre como usar melhor essa coisa". Muito bem, é hoje a lógica da net, das redes sociais, dos “amigos virtuais”. De uma forma geral, estes blogues são simples até de aspeto, são sinceros, podem ser toscos mas não destilam aldrabice. Quanto ao resto...

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