sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cozinhas exóticas e de fusão

Já escrevi e reescrevi que me sinto muito limitado em relação a cozinhas exóticas por não as saber criticar. Um bom exemplo é a chinesa. Já a comi em dezenas de restaurantes “tlinta-e-tlês”. Já a comi em restaurantes caros em que me dizem que, como no Estoril, lá vai comer com os seus convidados um moderno “mandarim”. E já a comi, horrorosa para meu gosto, em restaurantes verdadeiramente populares de Chinatown, em Nova Iorque. O que é afinal a cozinha chinesa? Ou há mesmo cozinha chinesa, como haverá cozinha portuguesa, coisa misturada de tasca reles, restaurante estimável e família aristocrática?
De cozinha exótica, para muitos, sei da açoriana. Cada vez mais também da angolana, genuína, de alta qualidade. Enquanto não abre o "Tanto mar" ("manda novamente algum cheirinho de alecrim"), isto leva a outra coisa, a cozinha de fusão. Não é nada de fazer alcatra terceirense de javali ou carne de porco à alentejana com lapas, por exemplo. É mistura subtil a que não me atrevo muito porque acho que só se consegue quando se domina muito bem as cozinhas muito diferentes que se quer fundir. 
Por exemplo, cozinha em que sou mesmo leigo é a japonesa. Estou só a descobri-la agora. Nem sequer imaginava boa cozinha japonesa de fusão até um muito bom cozinheiro, meu alter ego gastronómico, nos ter presenteado, grande jantar, com excelente criação de fusão (foie gras em cozinha japonesa!) de Masaharu Morimoto. Receita não levam, porque este meu amigo é muito elitista, os seus esmerados trabalhos culinários de tarde inteira são para os amigos.
Passo a outra coisa relacionada, não propriamente a fusão mas apenas o uso de ingredientes tipicamente exóticos, predominantemente de "sabores da lusofonia": milho, batata doce, inhame açoriano, segurelha madeirense (não só), óleo de palma, farinha de mandioca, sementes de caju, leite de coco; também coisas não lusófonas mas a evocar a expansão, algas orientais, palmitos, feijão de soja, etc. Também o uso de um toque hábil de temperos exóticos característicos. Quase sempre, como vêem nas minhas receitas, coisas açorianas, pimenta da Jamaica, “todolos tâmparos”; mas também garam massala feito por mim; mistura nanquinesa de especiarias; temperos americanos “barbecue”.
Há dias, uma que ainda não tinha usado, mas vinda a caso por ter feito um prato bem tradicional que tenho comido nos Estados Unidos (difundiu-se de Nova Orleães até Nova Iorque), a “jambalaya”. Usa como noutros pratos da cozinha crioula da Louisiana, o “tempero cajun”. Vou usá-lo, muito comedidamente (é forte!), para dar um toque de fusão com pratos “nossos”. Aqui fica uma receita que me foi recomendada como bem representativa.
1 c. chá de pimenta da Caiena, 2 c. chá de pimenta branca moída, 2 c. chá de pimenta preta moída, 1 c. chá de sal fino, 1 c. chá de colorau, 1 c. chá de tomilho seco, 1 c. café de manjericão seco, 1 c. chá de orégãos secos, 2 c. chá de salva. A salva tem truque. É esmagá-la muito bem entre os dedos, a fazer pasta.
Já agora, lembrar que toda a cozinha cajun, da jambalaya ao gumbo (sopa com quiabos - quiabos, Angola, Caraibas, ai a escravatura), vive da “Holy Trinity”, mistura em partes iguais de picado de cebola, aipo e pimentão verde.

A tempo. Cozinha é cultura e não faz nada mal partilhar algum gosto que, não sendo de bem comer, é de bem aprender. Falei acima da escravatura. Já repararam que a maior parte das nossas histórias são só reinoias, que esquecem que Portugal, durante três séculos, XVI-XVIII, foi muito mais importante como império colonial do que como pequeno reino europeu de franja geográfica? Há um excelente livro recente de "História de Portugal e do Império Português", de um australiano, A. R. Disney (ISBN 978-989-8174-92-5), que tem uma coisa notável. São dois volumes de igual dimensão, um dedicado ao Portugal europeu, o outro a Portugal no mundo. Outra coisa interessante é que ambos acabam em 1807, porque depois já não é história, é discussão política e ideológica.

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