sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Saladas

Um dia destes, os dentistas vão ter grande lucro a desbastar os incisivos de toda a gente, transformada em coelho. Éramos omnívoros equilibrados, os dentes estavam adaptados, agora somos roedores de cenoura. Cenoura aos montes nas saladas e guarnições, cenoura nas sopas a abafar seja o que for o tema da sopa, cenoura por toda a parte. Eu sou anti-cenoura, questão discutível de gosto pessoal, embora a use muito na minha cozinha, mas equilibradamente no conjunto e sempre cozinhada.
Salada típica sempre foi, tristemente à portuguesa, alface, tomate e pepino. Às vezes, em tempo de sardinhada, cebola e pimento verde, assado - o que não era mau - agora preguiçosamente cru, o que é muito duvidoso. O que não era hábito era o horroroso monte de cenoura ripada.
Quando eu era jovem e começava a haver em Lisboa alguns restaurantes de qualidade, para a época,  a Colina, o Funil, o Polícia, o António, o Bota Alta, o Conventual já a beirar o luxo de dia de festa, a acrescentar a coisas incomportáveis tipo Aviz e Gambrinus, mas também a boas tascas como a Tia Matilde, mais as leituras do Banquete e alguma esnobice da malta pobretana de esquerda (ou julgam que éramos proletas honestamente assumidos, nós filhos de gente bem?), criámos uma cultura inteligente de gastronomia a conjugar bom gosto e bolsa magra. Quantas dicas de boa cozinha barata troquei com os meus amigos, nos meus tempos de iniciação culinária?
Bom exemplo, que ainda hoje me faz rir, é esse “requinte” do tamboril. Era peixe ao preço da chuva mas, rijo e com pouco sabor, temperávamos como lagosta dos pobres, caldo Knorr de marisco a dar sabor, colorau a dar cor. Eram as delícias do mar da altura. Lei do mercado, da oferta e da procura, transformámos o pobre bicho, que hoje me recuso a comer, em coisa cara da moda. Quando me passava pela cabeça que hoje me teria de recusar (até em casa…, gestão de gosto) a comer essa coisa “bem” que se chama arroz de tamboril? O bicho até sabe a lodo!
As saladas também são moda, adelgaçam as cinturas das tias, embora, coitadas, não lhes curem as pilancas e as manchas cutâneas de excesso de sol (valha-lhes Deus e sua Santa Lili). Hoje há restaurantes de saladas e restaurantes com saladas. Restaurantes de saladas já chateiam, eruca, brie, crutons, nozes, maçã, manga. Se misturam anchovas, pistachios, alcaparras, ervas, tapenade, dá barraca, não sabem. Porque nem sequer sabem que há clássicos, niçoise, César, com roquefort, Albignac, Alienor, carbonara, arlesiana, à Toulouse, Port-Royal, rainha, Raphael, e até a russa, com toda a sua magnífica diversidade! 
Mais desculpável, na sua simplicidade simplória, mas mais nefasta na sua tentacular influência no mau gosto, é a salada mista que hoje invade todos os pratos dos nossos restaurantes medianos, os restaurantes com salada. Venha o que vier na travessa - requintadamente metálica - com o respetivo molho, logo vem ao lado na própria travessa a salada, com o empregado brasileiro que nada percebe de nada (não é chauvinismo, é realidade de patrão que contrata mão de obra barata e desqualificada) a trazer o azeite e vinagre que se vão misturar com seja lá o que for do molho do prato, caril, dobrada, feijoada, muamba, molho de bife à café.
Mas também que dizer quando hoje os “bons” (escandalosamente PVP caros) restaurantes de peixe servem com a tal salada garoupa grelhada com azeite e vinagre em vez de molho de manteiga e limão, com infinidades de variações de acrescento de ervas? Ou idem os salmonetes, em vez do clássico molho à setubalense de alho, limão, laranja, fígado e salsa, uma delícia? (bizarramente, o melhor que já provei, fora a minha casa, foi em sítio inesperado do interior, na pousada de Marvão!)
A salada é parte própria de uma refeição e raramente deve ser misturada com outra parte (como exemplo de exceção, um simples empadão de carne - coisa tão boa se bem feito, com restos de carne assada e com um puré bem temperado com pimenta preta e noz moscada - pede uma salada simples de alface ripada e, quando muito, com algum tomate). Ou com um bom sortido de salgados frios. 

Começa logo pela bebida. Um bom prato pede vinho, óbvio. Uma salada vai muito mal com vinho. Ou vai com vinho mas não temperada ou, se temperada como é hábito, sempre com alguma acidez de vinagre ou limão, mata qualquer vinho. Por isto, salada é entre a sopa/entrada e o prato e com uma boa água, a lavar a boca.
Salada com o prato, por tudo isto, é que nunca. Fica uma alternativa, não muito de meu gosto, mas de amigos meus franceses, com velhos hábitos familiares de província. A de a salada se seguir ao prato, antes da sobremesa. Gosto, mas só no caso de, ao almoço, a sobremesa ser de queijo. Sim, porque queijo é sobremesa (e até com vinho do Porto), não é entrada! E quantos bons restaurantes vejo eu que não têm queijos na secção de sobremesas da sua ementa.

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