quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Coisa de "silly season"

No meu tempo de criança, nos Açores, comia-se peixe cozido, frito e assado. O cozido também com a sua variante de ao vapor, o assado também com a sua variante de recheado e sem molho. Grelhado era coisa não habitual. Aliás, também em Lisboa, quando para cá vim estudar, sem prejuízo de ser tradicional nas zonas de pescadores ao longo da nossa costa. 

O grelhado entrou na moda para almoços de negócios, nos anos 80, em sistema muito proveitoso de PVP e passou a ser o “must” gastronómico, a permitir aos yuppies mostrar o cuidado com o físico ao serviço da mente (e da empresa), uma água a acompanhar, embora a fazer desejo dos tantos uísques ao chegar a casa. Sem esquecer que o prato saudável era precedido frequentemente de dose cavalar de presunto e queijo. Tudo tão previsível, tão estereotipado como o fatinho, o carro de serviço ou o jargão da conversa. 

Um "must", disse atrás, mesmo que fosse uma posta de pescada grelhada ou um linguadinho de que o cozinheiro se esquecia e vinha para a mesa como sola. E - dieteticamente-correto manda -  com azeite e vinagre em vez do molho de manteiga e limão. Depois, o indescritível “escalado”. Para mim, se um peixe tem de ser escalado é porque não é adequado a ser grelhado.

Tendo assim deixado o meu frequente desabafo de protesto contra o domínio dos grelhados (peixe e carne) - o que não quer dizer que não os aceite, na devida medida - passo ao motivo desta nota. Afinal, uma mera questão de terminologia, se calhar coisa de “silly season”.

Hoje é muito frequente cozinharmos - eu também - uma posta, um lombo ou um medalhão de peixe, até com pele, em chapa ou frigideira com um pouco de azeite, no limite quase só a untar. Quando com pele, traçada com golpes de faca para não encarquilhar, cozinha-se a dois tempos ou mesmo a duas temperaturas, mais fortemente do lado da pele, menos depois de virar o peixe.

A minha dúvida, talvez disparatada, é de como se chamar a este procedimento.  Claro que ninguém propõe que se diga cozer, assar ou estufar. Mas já tenho lido muitas mais coisas, mesmo de chefes com responsabilidades. Há quem diga saltear. É errado. Saltear é um processo bem definido, em que, como o nome indica, os alimentos, em pedaços relativamente pequenos, são cozinhados com um pouco de gordura bem quente, mas mexendo-os sempre, para isolarem homogeneamente todo o exterior. 

Também já li brasear. Não percebo qual é a ideia. Não tem nada a ver com brasas ou calor forte, mas com o termo francês “braiser”, de facto equivalente a estufar: aquecer fortemente a peça em gordura, a selar (outro termo clássico, crestar bem a superfície para não deixar sair os sucos), e cozinhar a lume brando em pouco líquido.

Outro nome é “grelhar na chapa”. Não faz sentido, porque grelhar, por definição, é sempre a seco, sem gordura (a não ser um ligeiro toque a untar a peça, não  a chapa).

Afinal, parece-me que o termo adequado é mesmo fritar. O que é preciso é distinguir do processo antigo de fritura, com as postas de peixe, passadas em farinha, completamente imersas em grande quantidade de azeite ou óleo, a alta temperatura. Diga-se então, por exemplo, “fritar num fundo de azeite”. Mesmo assim, dá problemas (claro que estou a brincar com os leitores): um purista pode perguntar o que é que tem a ver com isto um “fundo” (é claro ou escuro?).

P. S. (17.8) - O meu alter ego culinário  lembra-me um termo hoje em voga para o processo que descrevi: cozedura unilateral. Claro que já o tinha lido com frequência, mas não me veio à ideia. No entanto, já que estamos em maré de picuinhias, não gosto. "Cozedura", por si só não diz nada, pode ser tudo. Unilateral também não é bem verdade porque eu e muita gente dá uma volta rápida ao peixe, a alourar do lado oposto à pele. Vou então propor "fritar assimetricamente em fundo de azeite" ou "fritura assimétrica em fundo de azeite".

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