sábado, 29 de dezembro de 2012

Gorduras (II)

Este escrito é a quatro mãos, do JVC gastrónomo e do JVC médico (ou melhor, biomédico). Volto a falar de gorduras, tema sobre o qual muitos leitores me questionam. Escrevendo sobre gastronomia, claro que tenho de dar prioridade aos sabores e toda a gente sabe como é diferente um ovo estrelado em manteiga ou óleo suave e estrelado em azeite; ou batatas fritas em óleo ou em azeite; ou um bife frito em manteiga ou em azeite. Claro que para meu gosto e provavelmente memória de infância. E dou estes exemplos porque me parecem que revelam bem a dificuldade de compatibilizar gosto (de uma gordura para mim muito forte de sabor, como é o azeite) com os requisitos de saúde.

O que está em causa, quando discutimos gorduras, em termos de saúde? O seu papel em patologias importantes, e destacadamente a obesidade – hoje fator de muitas outras doenças – e a diabetes, em ambos os casos tendo de se ver a gordura no contexto do metabolismo geral, sem mais aprofundamento de análise. Quase que se pode ver apenas em termos de peso. A outra importantíssima situação é a das doenças cardiovasculares, incluindo os acidentes cerebrais, hoje partilhando com o cancro e os acidentes a maior taxa de causa de morte.

Neste caso, já não é só uma coisas simples de abuso de gorduras, em geral. É questão de “que gorduras?”, em termos do seu resultado final na taxa do maior perigo para as artérias, o colesterol. Mais refinadamente, se considerarmos no colesterol as gorduras de alta densidade (HDL) e as de baixa (LDL), estas as mais perigosas. Mais ainda coisas subtis, como os célebres ómega, que vou agora deixar de lado.

Todas as gorduras em excesso engordam igualmente, aumentam o peso. Significam 9 kilocalorias por grama (kcal/g), enquanto que as proteínas e os açúcares simples ou compostos se ficam por 4 kcal/g. Mas, para os efeitos específicos que discuti, há que distinguir em relação ao seu grau de saturação. As gorduras vulgares, descontando os casos especiais de fosfolípidos das membranas celulares ou a mielina das fibras nervosas, são constituídas essencialmente por ácidos gordos, longas cadeias de carbono ligados entre si e ligados a um ou dois hidrogénios ou em que uma destas ligações a hidrogénio pode ser compensada por uma ligação dupla entre dois carbonos sucessivos da cadeia.

Assim, falamos de gorduras insaturadas (mono ou poli), como as vegetais em que alguns carbonos têm duplas ligações entre si, ou de gorduras saturadas, quando estão principalmente ligados a dois átomos de hidrogénio. É o caso das gorduras animais, mais nocivas não tanto em relação ao engordar mas principalmente em relação à capacidade de formarem depósitos.

Em qualquer caso, há que lembrar que uma dieta excessivamente pobre em gorduras não é uma dieta equilibrada. Para um urbano, trabalhador intelectual ou de serviços, homem de meia idade e saudável, de cerca de 70 kg, com um grau razoável de exercício físico e com algum relaxamento psíquico, com bom índice corporal (IC = peso (kg) / (altura x altura) (m), sendo bom entre 19 e 25 kg/m2), a dieta diária deve corresponder a cerca de 2500 kcal. Destas, 20-30% devem ser provenientes de gorduras, o que significa cerca de 70 g de gordura, obviamente incluindo a que vai com a carne, o peixe, os laticínios (mas desprezivelmente com os legumes, hortaliças e frutas).

Façam as contas a esse componente de gordura própria dos alimentos, que vem na tabela de composição, na embalagem, e ficam com o excedente ou para barrar ou para cozinhar. Lembro que, em geral, uma colher de sopa de qualquer gordura equivale a 12 g de peso. 

Para barrar, temos a manteiga, a manteiga magra e a margarina de barrar. A manteiga é pura gordura animal, com 81% de gordura, 700-750 kcal% (kilocalorias por 100 g do alimento), com de 50,5% de saturação. A manteiga magra é um produto industrial que dilui a manteiga em água e, em compensação, para dar consistência, inclui amido, gelatina, emulsionante e outros aditivos, com um teor calórico de cerca de 380 kcal%, 25% de gordura, sendo esta 68% saturada. Veja-se que, por cada colher de sopa de manteiga saturada ingerimos quase 5 g de lípidos saturados e e em igual quantidade de manteiga magra 2 g. No entanto, como, com isto, fica com menor sabor a manteiga, um risco conhecido é o de se usar o dobro da dose por cada fatia de pão e lá vai o benefício.

Menos vantajosa ainda, porque a vantagem dietética (320 kcal%,) não é grande em relação ao prejuízo gastronómico, é a margarina dietética de barrar (só conheço a Becel, comercializada também como produto branco Pingo Doce). A sua composição não difere muito da manteiga magra, mas tem bastante mais gorduras vegetais do que manteiga, bemefício que, para mim, não compensa o mau sabor.

Para cozinhar, sempre se usaram três tipos de gordura: animal, azeite, outros óleos. Continuemos nas gorduras sólidas, manteiga, banha, margarina. Da manteiga, já falei. A banha não difere muito, em valor calórico e em alta percentagem de gorduras saturadas. Fica a margarina vulgar, um produto que aparentemente teria a vantagem de ser preparado com gorduras vegetais, mas afinal saturadas artificialmente para solidificar a margarina. Não me parece merecer ser tida em conta, a não ser pelo preço. Não está demonstrado que faça menos mal do que a manteiga ou a banha, nunca a uso. São 600 kcal%, 60% de gorduras saturadas.

Caso diferente é o das margarinas dietéticas de cozinha. Note-se bem que são só próprias para cozinha, nunca as usem a cru. Sabem mal a barrar torrada mas, em contrapartida, os novos produtos para barrar, de que falei acima, não podem ser usados a temperatura de cozinha. Experimentem e logo verão o que resulta de aquecer manteiga magra para fritar qualquer coisa.

Vou dar só valores médios, porque há várias marcas. O seu valor calórico, 600 kcal%, fica entre o das gorduras tradicionais e o dos novos produtos mas que, como disse, não servem para cozinha. Contêm 3:1 de mono e poli-insaturados para saturados, em comparação com as gorduras animais, estas com relação quase inversa, de 1:2. Recentemente, apareceu um óleo cremoso para fritura, da Becel. Vale-me principalmente pelo seu gosto, mais “manteiguento”, e com bom valor dietético: 630 kcal% – admito que um pouco a mais, mas mais vale um gosto que três vinténs – compensados por uma alta relação de insaturados:saturados, 9:1, e uma boa relação entre ómegas 3 e 6. 

Fica a questão, quase “patriótica” do azeite e dos óleos. Caloricamente e em composição relativa de ácidos gordos, saturados ou insaturados, são praticamente equivalentes. A vantagem do azeite, quanto à saúde, só tem como base estudos muito gerais de comparação da dieta mediterrânica com a outra cozinha europeia norte-central, como se nessa comparação não houvesse muitos fatores a considerar para além do azeite. Por exemplo, quando se divide a “outra cozinha” entre a europeia central, de carnes (França, Suíça, Alemanha, Holanda, Áustria) e a cozinha escandinava, mais ainda a lapónica e esquimó, as coisas mudam muito, num caso para vantagem do azeite, no outro caso com bastante menor diferença. 

Portanto, aqui é que a questão é mesmo gastronómica. É só questão de gosto, e nem sequer absolutizante. Pela minha parte, gosto muito de usar azeite para certos cozinhados, não gosto para outros. Discordem de mim, com todo o direito, mas não invocando pseudo-argumentos dietéticos, afinal bom trabalho do enorme lóbi do azeite mediterrânico.

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