sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Manteigas

Em muitos restaurantes de alto nível – por exemplo, cá, o Belcanto – é vulgar o couvert incluir um misto de manteigas, a ir com as variedades de pão que também colocam na mesa. Outros restaurantes consideram isto de menor nível, condescendendo só em servir manteigas a quem pede (por exemplo, o DOP, no Porto). O único tri-estrelado a que já fui, Waterside Inn, também não serve manteigas. Pessoalmente, julgo que é coisa boa enquanto se espera pelo “mimo do chefe” (com uma flute de espumante bruto) ou para ir entretendo a boca entre pratos. Daí que, hoje, queira dizer alguma coisa sobre manteigas.

São coisa tradicional da alta cozinha francesa e há uma lista de variedades descritas por Escoffier, 36, e no Larousse Gastronomique, 34. Podem ser simples tratamento da manteiga, sem mais incorporações, mas em regra de grande exigência técnica, para não resultarem em adulteração da manteiga, com efeitos muito nocivos para a saúde. Ou então podem ser manteigas trabalhadas por incorporação emulsionada de variados ingredientes ou condimentos.

Técnica: para bater bem uma manteiga com um ingrediente aquoso é necessário que (i) a manteiga esteja em pasta mole, mas não obrigatoriamente líquida; (ii) que o ingrediente líquido esteja à temperatura ambiente e não ultrapasse um terço do volume total.

Também há preparados considerados como molhos mas que são de facto emulsões de manteiga, como é o caso do molho holandês (Gosto de Bem Comer, pág. 242)

Aqui vai uma lista abreviada das manteigas de que mais gosto e que faço com frequência:
  • Obviamente, a “maître d’hôtel, a “beurre blanc”, para peixe, com “fumet”, a Chivry cujas ervas vão com tudo.
  • “Beurre noisette”, com escurecimento do fundo, separado da gordura, e tudo novamente misturado, no fim. Uso para grelhados de carnes brancas ou para filetes.
  • “Beurre noir”, como a noisette mas levando mais longe o escurecimento e cortandom com sumo de limão. Uso para fritos fortes de peixe. Mas com cuidado, por causa da temível acroleína.
  • Manteigas batidas, com incorporação: de alho e azeitona, de marisco, verde, de Biscoitos ou outro generoso reduzido com ervas, de frutas açorianas (ananás, maracujá, goiaba, tomate capucho), com picles caseiros, com toque de pé de torresmo, e tudo o que me vem à ideia, etc.).
  • Também gosto de manteigas exóticas, como a “niter kibbeh” etíope ou o “schmaltz” germânico. A primeira é preparada clarificando a manteiga e aproveitando só a gordura e temperando com especiarias a gosto (e um açoriano é especialista vem especiarias na gosto!): feno grego, cominhos, coentros, cardamões, turmérico, canela, noz moscada.
O schmaltz é simples, se esquecermos as regras kosher das comunidades ashkhenazi que o preparavam. É uma gordura de aves, o que pode ser difícil de encontrar, mas que reservo sempre para o congelador o que destila de gordura quando cozinho pato ou foie gras. A gordura serve para alourar cebola e esmagar numa pasta que se conserva.

Das manteigas de restaurante e hotel, embora mais conhecidas como molhos, fica aqui o célebre molho do Café de Paris, em Genebra, onde só fui uma vez, com grande deleite e despesa, quando por lá andava.
Branquear fígados de galinha com tomilho, num mínimo de gordura. Reduzir nata com mostarda e tomilho. Esmagar bem os fígados e misturar com a nata, acrescentando um pouco de água para suavizar. bater com bastante manteiga, temperando com sal e pimenta preta.
Merecem nota posterior as manteigas fumadas, no conjunto de outros fumados que estão na moda, em boa parte lançados por Henrique Mouro e continuados por João Sá, no Assinatura e que já tenho trabalhado. Por coincidência, daqui a pouco vou levantar o defumador que encomendei há tempos na César Castro.

Finalmente, anoto que, nas três manteigas do Belcanto, figura uma simplesmente açoriana. Bom senso e bom gosto!

Ressalto hoje, como disse, as manteigas fumadas, um desafio a toda a imaginação. Há duas formas de defumar sem ser no fumeiro tradicional da aldeia. Para fumigação a quente, muitas vezes operação prolongada, usa-se um recipiente grande com tampa em que caiba um cesto perfurado com o produto a fumigar. Pode ser um wok com tampa ou um tacho grande também com tampa. A tampa é obrigatória. No fundo, para não queimar o material a arder, uma folha de alumínio. Sobre ela, o que quiserem de material celulósico (aparas de madeira, arroz integral), com o que imaginarem que possa perfumar – ervas, chás, etc. Pôr ao lume, a seco, e é tudo.

Outra forma é a frio e para isto é que comprei o tal defumador (preço nada adequado a época de crise, mas é minha perdição). Os produtos cozinhados – aconselho que muito simplesmente – são introduzidos num boião de vácuo, do tipo dos usados para compotas e sobre eles é soprada com o tal utensílio uma boa dose de fumo, aromatizado como se quiser. É só deixar uns minutos a tomar sabor e levar à mesa, em dose individual.

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