sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Se calhar, merecemos

Há poucas semanas, Miguel Esteves Cardoso (MEC) escreveu um artigo no Fugas do Público – 2 de Novembro – sobre “Deixem estar os mexilhões, os lingueirões, os berbigões e até as amêijoas e provem-nas antes de as disfarçarem”. Com aquele charme discreto da burguesia que MEC cultiva, a um ponto de fio da navalha arriscado, como na devassa que faz da sua vida íntima a propósito da doença grave da sua mulher, MEC, na pluralidade dos seus temas de escrita, também se quer fazer passar por gastrónomo.

Talvez seja, mas a nível de amador, de pessoa que gosta de uns petiscos e que anota umas dicas de bem comer passadas pelas suas tias de Cascais, agora em Almoçageme. Não é por se saber de uns queiiinhos frescos especiais, ou se ter um bom padeiro, ou se ter o privilégio de se conhecer a melhor cozinheira portuguesa (eu conheço muitas, não consigo individualizar a melhor) que se fica um verdadeiro gastrónomo.

Muito menos um mediático é, por obrigação, um bom cozinheiro. Creio que é parolice à portuguesa, que não encontro lá fora: as grandes receitas de George Clooney. Cá, vendeu-se que nem ginjas uma banalíssima colectânea de receitas de Miguel Sousa Tavares. Só falta o livro de receitas de José Rodrigues dos Santos ou da Mafalda da indignação com os manifestantes que perturbam os deputados. 

Lendo esse artigo de MEC, mais uma vez desconfiei da sabedoria culinária ou gastronómica de MEC, quando aconselha cozinhar os bivalves ao natural, isto é, abrindo-os e cozendo-os em água do mar. Claro que a sua água interior se perde, diluída. No meu livro, “Gosto de Bem Comer”, refiro o uso de água do mar para mariscos, mas é para cozer crustáceos, não para abrir bivalves.

Que a cultura gastronómica de MEC é pobrezita já o tinha visto pelo seu livro “Em Portugal não se come mal”. Não passou pelo meu filtro inicial, que é o de começar logo por ler o capítulo sobre os Açores. Foi por isto que fiquei logo rendido à “Cozinha Tradicional” de Maria de Lourdes Modesto e fechei logo o livro de MEC. Quem diz tanta asneira sobre a gastronomia nos Açores certamente também diz em relação a tudo o resto.

No entanto, nem tudo é criticável. No Fugas seguinte, MEC reproduz uma muito boa carta de correcção enviada por alguém que não conheço mas que evidentemente sabe do que fala, José Jordão, inclusivamente sobre a tal coisa de se abrirem os bivalves, ao natural, num tacho a seco. Ao menos, ninguém pode dizer que MEC não tem “fair play”. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Diabetes

Em Portugal, estima-se que haja cerca de 10% de diabéticos tipo II (adultos, não dependentes de insulina). Provavelmente mais. Eu sou um deles e, por solidariedade, devia tratar mais deste assunto neste blogue, porque a dieta é um dos vértices essenciais do triângulo terapêutico, dieta, medicamentação, exercício. 

Tenho um ficheiro Excel com uma extensa tabela de valores nutritivos de alimentos e de utilização prática, diária, para controlo da alimentação. Daqui a dias, publicá-la-ei aqui.

Hoje, fico-me por uma curiosidade, que também interessa todos os que relacionam exercício físico com emagrecimento. Já controlaram isso? Até há pouco tempo, o meu exercício, obrigatório para controlo da diabetes, era um grande passeio a pé, em amena conversa com a morena, mão dada. Com interrupções por mau tempo, não chegava e passei para o ginásio, também para reganhar alguma massa muscular que a sedentarização me estava a fazer desaparecer.

Há ideia de que o exercício se traduz linearmente em consumo de energia e emagrecimento. Não é verdade. Faço diariamente um km de marcha no tapete e 2,5 km de bicicleta, e vejo pelos aparelhos que isto, no total, me faz gastar 150 Kcal. Não é mais do que uma fatia de pão, ou duas batatas médias, ou um prato de sopa de hortaliças, ou um copo de vinho. Afinal o que é mais fácil e mais prático? Fazer esse exercício ou absterem-se de um desses alimentos?

Não é bem assim, a correspondência não é linear. Embora ainda não bem conhecido o mecanismo, o exercício tem efeitos fisiológicos para além do simples consumo de energia. Não é só questão de quilocalorias. Razão têm os que falam em “cardiofitness”. E a diabetes vai atrás.

Lembrem-se de que o ginásio custa muito menos do que o tratamento de consequências da diabetes – insuficiência renal e diálise, retinopatia e cegueira, neuropatia com risco de amputações.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Defumar em casa

Ainda me vou permitindo alguns luxos. Atitude de quem acha que é uma forma de protesto, “essa gente não me tirará o prazer da vida”, embora, claro, saiba que muita gente nem sequer hoje consegue ter meios para este protesto mais ou menos snob.

Recebi da César Castro (passe a publicidade merecida) coisa há tempos encomendada, um defumador para cozinheiro amador. Nada que se compare com as coisas de profissional, mas indispensável para quem quer – e pode – dar espaço à sua criatividade ou, mais simplesmente, ao ir na onda.

De facto, é muito ir na onda, uma onda relativamente recente, se não pensarmos em séculos de outra defumação, a dos nossos enchidos tradicionais. Mas, nesta entrada, não vou falar de produtos fumados em cru, prolongadamente, antes de produtos cozinhados e depois tratados com fumo. Merecidamente, vou chamar a atenção para as experiências neste campo do Assinatura, primeiro de Henrique Mouro e agora de João Sá, a quem agradeço vivamente algumas dicas que me deu sobre defumação.

Há duas técnicas principais, a defumação (ou fumigação, se preferirem, termo que considero mais correcto) a quente e a frio. A quente, o ingrediente é colocado num recipiente (já lá vamos) fechado, sobre um fundo de material combustível que, ao lume, fica em brasa, libertando fumo. A frio, os ingredientes são colocados em frascos ou cocotes herméticas para que se sopra, com o tal aparelho que comprei, um bom jacto de fumo.

Para defumar a quente, pode-se usar um tacho, uma panela ou um wok, em todos os casos com tampa e com boa capacidade. Para melhor limpeza, forrar o fundo com alumínio e pôr alguma quantidade – a experiência ensinará – de material combustível. Podem ser aparas de madeira ou outras coisas, como arroz integral, flocos de cereais, castanhas em lascas. Aromas, o que imaginarem: ervas, chás em folhas, frutos secos, azeitonas, alcaparras, sementes, mel, etc. Sobre isto, mas sem entrar em contacto, qualquer coisa que sirva para cozer a vapor.

A outra técnica, a frio, é para um mais ligeiro e subtil apaladar com fumo. Normalmente, coloco as doses individuais do prato já para ir à mesa em frascos tradicionais de compota, com anel de borracha e fecho metálico e sopro o fumo, para ficar durante alguns minutos até servir. Há utensílios um pouco mais elaborados do que o meu que permitem usar aparas de madeira de vários tipos. O meu só usa um ralado fino de faia, mas pode-se aromatizar com qualquer outra coisa.

Experimentem. Vale a pena.

domingo, 3 de novembro de 2013

Sou teimoso

Nota breve para os que me acusam disso e de ser convencido da minha razão. Almocei hoje no Café Lisboa (Avillez) um excelente bife à café; talvez, para meu gosto, o melhor dos que temos de oferta por aqui. E o molho não leva café!