quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Talher de peixe

Só hoje dei por uma crónica de Virgílio Nogueiro Gomes, em que faz, com erudição, a história dos talheres. E diz, em particular:
O talher de peixe, inicialmente encontrado nos estabelecimentos de grande categoria, começou a vulgarizar-se a todos os tipos e categorias desde meados do século XX. E aqui vai a minha interrogação sobre a sua necessidade. Começo por informar que eu sou contra o talher de peixe, afirmando frequentemente que não serve para mais nada do que para embaraçar o serviço de mesa. (…) Mas expliquem-me os defensores: para que serve o talher de peixe? Vejamos, mesmo na nova cozinha, cada vez mais eu até só uso o garfo. Mesmo um peixe com uma cozedura unilateral, sobre a pele, esta sai melhor com uma faca de carne. E quantos de nós não assistimos ao disparo de uma batata torneada ao tentar cortá-la com uma faca de peixe? E ainda como farão os canhotos para comer com talher de peixe? Eu gostaria de organizar uma campanha contra os talheres de peixe. Já estou a ouvir os gritos de: absurdo, deselegante, pindérico… e outros adjetivos que me queiram dedicar. Afirmo que para os restaurantes o investimento é menor, a formação do pessoal é mais simples e muitas vezes os clientes agradecerão. Tenho a sorte de, em muitos restaurantes que já sabem desta minha posição, já nunca me colocarem talheres de peixe, e eu agradeço. E volto. 
Vou nessa e alinho com a sua campanha. Tenho é um certo palpite de que, quando o VNG e eu alinhamos numa proposta, e já são muitos casos, em escritos e comentários mútuos, vamos contra-corrente.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Que coisa simples, o alho

Há coisa mais simples do que o alho? Sobre ele escreveu mais umas das sua boas crónicas o Virgílio Nogueiro Gomes, grande gastrónomo, estudioso da história da gastronomia e por isto, embora ele não se revele como tal, desconfio de que excelente cozinheiro. Só se esqueceu de que, com alho e/ou cebola, é maior a variedade de açordas açorianas do que alentejanas. Porque, para além de cozinha de pão e ervas, a açoriana também é de especiarias, da rota das Índias com a sua volta do largo.

Também só lhe faltou dizer que o Pe Augusto, companheiro de pensão de Alípio Abranhos em casa de D. Adelaide, nunca dispensava untar bem com alho a faca que lhe ia servir para comer desde peixe a carne, o miolo de pão e o fundo do prato. É que ele há muitas questões!... Há questões terríveis!... Há a prostituição, o alho.. ele há muitas questões...

E há coisa mais crítica em cozinha do que saber lidar com as coisas muito simples? Hoje vou falar do alho, Allium sativum, com variantes, desde o alho branco mais vulgar até ao alho roxo, ao asiático, ao criolo, ao porcelana, ao rocambole, etc. Sem esquecer o magnífico produto artificial que é o alho negro.

O que é o alho para a maioria das pessoas? Uma coisa que até dá trabalho a descascar, com a faca, primeiro a casca branca depois a película rosada. Que depois se junta logo com a cebola picada, também à maneira doméstica. É na ultrapassagem destes erros básicos que se ganha direito a um avental de cozinha que mereça estimação. Dir-me-ão alguns críticos habituais, a que já não ligo, que vou escrever coisas banais. Mas muitos dos meus leitores não gostam de ler estas coisas banais?

Peguem numa cabeça de alhos e, obviamente, é fácil separar os dentes, que habitualmente trazem a casca exterior, branca. Remove-se quase que a esfregar com as mãos e chegamos ao que nos interessa: os dentes soltos e envolvidos na sua pele rosada. A partir daqui é que há que tomar decisões. Para uma das muitas sopas alentejanas do tipo de beldroegas ou espinafres com queijo, é assim que vão, inteiros. Para muitas marinadas (a velha vinhad'alhos), estufados ou assados em que o molho no fim é coado, também vão assim, com pele, com um pequeno murro. Em assados, podem ir sem pele mas só cortados ao meio, para não queimarem.

Na maioria dos casos, entram em refogados, picados com a cebola, tudo junto. Primeiro erro: a cebola abafa o sabor do alho. Deve-se começar por alourar o alho picado, sem queimar e só depois juntar a cebola. E toda a gente sabe picar alho? Nada mais fácil. Sobre uma faca colocada sobre o dente de alho, dar uma pequena pancada, a estalar a pele rosada, que assim se retira muito facilmente. Depois, remover a “raiz” e colocar o dente com a parte plana para baixo. Dois ou três golpes paralelos à base, mais outros tantos ao longo do dente, tudo sem cortar completamente o dente de alho e finalmente picar na outra dimensão. Afinal, como se faz com a cebola, sem ser à velha cozinheira. Conforme o gosto e a utilização técnica, o alho picado pode ser usado assim ou a seguir mais ou menos esmagado com uma faca, com a lâmina de lado.

Em algumas preparações, pelo contrário, o alho só entra no fim, por exemplo em crocantes, ou mesmo cru, como no nosso clássico bacalhau cozido. Então, deve ser fatiado muito fino. Também se usa muito o alho cru, em molhos, em pastas, para os mais diversos usos, desde base de “dips” até pasta a barrar uma ave a assar. Num almofariz, bem pisado com sal grosso, um fio de azeite ou banha, outros temperos conforme os casos.

NOTA – mais uma vez, para me acusarem de escrever coisas banais, sabem como fazer um refogado muito suave e elegante? Não é com cebola e alho, mas com coisa de sabor misto, a chalota. É o que mais uso cá em casa, para estufados ou guisados de boa qualidade.