segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Hoje há batatas (II)

Com muita ocupação, ficou por cumprir a promessa de conclusão das notas sobre as batatas. Aqui vão, hoje sobre a cozinha das batatas. Quem nunca cozinhou batatas? Mas acham que não tem truques? Comecemos pela coisa mais elementar, a cozedura simples, em água. 

Como se trata de legumes, talvez algum dos leitores adote para as batatas a regra geral de introduzir os legumes ou hortaliças em água já a ferver. Lembre-se de que as batatas são exceção. Os grãos de amido, na batata crua, estão muito compactados, e daí a dureza da batata crua. Com a temperatura, e logo a partir de cerca de 60º, gelatinizam, absorvem água e amolecem, adquirindo a textura da batata cozida. Se introduzirmos a batata crua em água a ferver, isto passa-se imediatamente no exterior da batata, que coze antes que o interior comece a gelatinar. Assim, a cozedura deve ser progressiva, com as batatas imersas em água fria a aquecer lentamente.

Com as batatas assim cozidas também se faz o puré, mas com batatas farinhentas para fritar, em geral vermelhas (Astérix e outras) em vez das batatas para cozer, cerosas ou multiusos (Monalisa, Agata e outras). Creio que é o truque principal e menos conhecido para um bom puré. A polpa das batatas farinhentas fica mais suave e absorve melhor o líquido a usar para o puré. Esmagar as batatas requer um processo pouco violento, usando uma caixa para esmagar batatas ou um passe-vite, mas claro que nunca um moinho. Leite, com ou sem nata, e manteiga, são ingredientes de uso generalizado, a misturar suavemente com a batata, com uma vara. Pessoalmente, tempero sempre, moderadamente, com pimenta preta e noz moscada.

Para inclusão num guisado ou estufado, pode-se usar as batatas cruas, mas com a limitação comentada atrás. Em geral, o guisado ou estufado demora mais a cozinhar do que o tempo das batatas. Assim, quando se juntam as batatas, o líquido já está a ferver ou muito quente. A alternativa é branquear as batatas, semicozendo-as em água inicialmente fria e acabando de as cozinhar no guisado ou estufado.

Como disse na última entrada, as batatas para assar são as farinhentas. A assadura é talvez o processo de cozinhar batata que menos técnica exige, a não ser experiência na temperatura do forno e tempo de assar, em função do tipo de batata e da dimensão das batatas (inteiras se batatinhas novas) ou dos pedaços cortados (mais bonitos se torneadas as arestas).

Um processo muito simples é assar as batatas sobre o tabuleiro revestido com folha de alumínio, pincelando as batatas com manteiga derretida ou com azeite, temperadas com flor de sal. Também se pode assar na assadeira, igualmente com alguma gordura, em forno pré-aquecido a 200º, durante 35-40 minutos, virando de vez em quando, pelo menos a meio da assadura. Para melhor efeito, 10 minutos antes do fim, pode-se glacear com um pouco de caldo, até secar, mexendo os pedaços de batata com frequência.

Outra forma de assar é mais próxima de cozer. As batatas são colocadas numa assadeira, regadas com caldo a meia altura, eventualmente com vinho branco, cebola às rodelas, ervas, etc., e cozem lentamente no forno, uma hora, tapadas, a 150º. 

Finalmente as batatas fritas. Nada de especial em relação a “chips” ou palha (fritas a 175-180º, controlando à vista o tempo e agitando o cesto da fritadeira de vez em quando). Já a batata frita em palitos é um desafio a um cozinheiro amador que se preze e, muitas vezes, óbvio atestado de má qualidade de restaurantes manhosos: moles, oleosas, encruadas. 

O truque é simples: dupla fritura. A grossura dos palitos conta pouco. Pessoalmente, gosto deles um pouco mais largos do que habitual, quase com 1 cm. Também podem ser cortados ao longo do eixo maior ou do eixo menor; eu gosto de palitos compridos. O que interessa é ter os palitos bem secos e imergi-los durante cerca de 5 minutos no óleo da fritadeira regulada para 150-160º, até terem aspeto de cozidos, mas sem estarem dourados. Retiram-se e deixa-se absorver o óleo em pano ou papel, durante cerca de meia hora. Entretanto, aumenta-se a temperatura para 180º e dá-se uma segunda fritura, a alourar bem e tornar os palitos estaladiços, mas sem queimar.

Com a dupla fritura também se conseguem fazer as batatas empoladas ou assopradas (“soufflées”), com a diferença de serem cortadas em rodelas de cerca de 3 mm de espessura. Quando são introduzidas pela segunda vez, no óleo bem quente, abrem como balão.

Muito mais haveria de sugestões, muitas das quais clássicas e com receitas hoje bem acessíveis: batatas dauphine, duquesa, base de “quenelles”, gratinadas, Anne, aligot, chateau, à padeiro, a murro, recheadas, musselina, salteadas, em trufada, etc. Vamos lá então cozinhar bem batatas e bom proveito.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Hoje há batatas

Lá vou eu outra vez ouvir dizer que estou a infantilizar os leitores, a escrever coisas banais. O tema é a batata. Será que nem que sejam poucos leitores (muitos ou poucos merecem igual respeito) não beneficiarão deste escrito “banal”? Mesmo com a net a abarrotar de informação sobre a batata, há notas e truques que não serão tão fáceis de encontrar. Das coisas bem conhecidas, relembro telegraficamente, como se segue.

Que a batata (Solanum tuberosum) é o tubérculo de uma planta andina, principalmente do Peru, trazida para a Europa no século XVI, muito para a Inglaterra (ainda se chama popularmente batata inglesa pelo menos no Brasil e nos Açores, para distinguir da batata doce). Que uma praga da batata, em meados do século XIX, causou um milhão de mortos e originou a primeira emigração maciça de irlandeses para a América. Que os maiores produtores e consumidores são a China, a Rússia e a Índia (mais de um terço da produção mundial). Que é o quarto alimento mais consumido, a seguir ao milho, ao trigo e ao arroz.

Vou abordar dois aspectos: a variedade de batatas e a sua indicação culinária; e alguns aspectos técnicos da cozinha da batata. Hoje ficamos pelo primeiro aspecto.

A batata tem milhares de variedades, umas naturais outras obtidas por cruzamentos. Os objectivos da selecção dessas variedades são, principalmente, o aumento da produtividade (produção por área), a resistência a pragas e a melhor qualidade culinária. Por isto, a composição e valor calórico da batata são médias. 100 g de batata cozida (uma batata média cozida pesa cerca de 80 g) representam 85 Kcal, com 2 g de proteínas, 19,1 g de hidratos de carbono, 1,3 g de fibras e boa concentração de cálcio, ferro e vitaminas A e C. Para batata crua, os valores equivalentes são, respectivamente, 70 Kcal, 1,9 g, 15,9 g e 2,5 g.

Ainda há duas décadas ou menos, a batata de diferentes variedades vendia-se a granel, conforme a época e mesmo cozinheiros profissionais, ou amadores com certo traquejo não conheciam as variedades de batata e a sua melhor utilização. Depois se via o resultado: “estas batatas cozidas estão muito farinhentas”, ou “demoraram muito a cozer”, ou “o puré ficou mais aguado e quase nem pus leite”. Depois explicarei.

Hoje, em qualquer bom supermercado, as batatas já vêm embaladas com indicação de “para cozer”, “para assar” ou “para fritar”. Mesmo as não embaladas, geralmente mais baratas, têm a variedade identificada, permitindo uma compra criteriosa. Antes, de forma muito vaga, muita gente sabia que batata de casca clara era boa para cozer e batata de casca vermelha para fritar. Em muitos casos é verdade, mas não em todos. Por exemplo, para fritar, duas batatas muito boas e muito usadas têm uma a casca vermelha (variedade Astérix) e outra a casca amarelada (variedade Agria).

O que conta é a concentração de amido. Quanto a isto, as variedades dizem-se cerosas quando têm baixa concentração de amido (8-10%) ou farinhentas quando têm alta concentração (13-16%). As variedades de teor médio têm 11-13% de amido. Para maior qualidade, as batatas farinhentas devem ser usadas para fritar ou assar, enquanto que as cerosas dão as melhores batatas cozidas. Das variedades mais vulgares, são exemplo, como farinhentas, a Astérix, a Agria, a Atlantic, a Desirée. As cerosas, como a clássica Charlotte usada na cozinha suíça ou a Jaerla, estão em queda a favor das de teor intermédio de amido. 

Estas variedades multiusos, de teor intermédio, não dão nem as melhores batatas fritas nem as melhores batatas cozidas nem o melhor puré mas têm a vantagem de servirem, com qualidade média mas satisfatória, para todos os usos. Consumidores com família pequena, se quiserem comprar os três tipos de batata, vêm para casa com nove quilos de batata, certamente para se estragarem muito antes de serem todas consumidas. São exemplos de batatas multiusos a Monalisa (talvez a mais vulgar), a Baraka, a Bintjie, a Mondial, a Agata, a Vivaldi e muitas mais. 

Como se imagina, a batata para guisar é praticamente a mesma usada para cozer. Já quanto a puré, pode surpreender alguns que a melhor batata não seja a de cozer mas a de fritar (por exemplo, a Astérix). Na cozinha francesa tradicional usavam-se variedades cerosas mas a cozinha moderna prefere as farinhentas, que permite tratamentos menos drásticos, com maior preservação da textura celular e menor libertação de amido.

Hoje é vulgar o uso de batata cozida em saladas frias. Convém que cozam bem mas tenham alguma firmeza, para o que estão indicadas algumas variedades de teor intermédio de amido, como a Franceline ou a Chérie. Estas duas variedades também são muito boas para assar, bem como a Agata, com a vantagem de serem pequenas, podendo ser assadas inteiras.

Finalmente, as batatas em Portugal. Só se cultivam menos de uma dezena de variedades, importando-se outras (30%). As variedades mais vulgares são: cerosas – Jaerla; multiusos – Monalisa, Marine, Spunta, Kennebec; farinhentas – Desirée, Astérix, Stemster. Caso especial, para cozer e assar, mas não para fritar, começa a estar na moda, quase como coqueluche de “chefs”, a batata Ratte, ainda pouco comercializada em Portugal. É uma batata cerosa, de tamanho pequeno, longa e nodosa, com pele amarela acastanhada e polpa firme. O seu sabor a noz torna-a preferida dos bons cozinheiros. Começa a ser cultivada pelos adeptos da agricultura biológica.