sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Sabe o que é ketchup?

Sabe o que é ketchup? Tolice de pergunta, responderão. Claro que é aquele molho bem conhecido, adocicado, com base de tomate, que muita gente usa nos hambúrgueres ou nos cachorros e que é produzido principalmente pela Heinz. Se forem um pouco mais informados e tiverem tido alguma vez a curiosidade de ir ler o contra-rótulo, dirão ainda que o ketchup é um molho que leva tomate, açúcar, vinagre, aipo, ervas e especiarias.

Mas, afinal, a pergunta não é tão tola como pode parecer. É que esse ketchup é apenas um de entre muitos ketchups, alguns dos quais bem mais antigos na tradição dos molhos ingleses. Se procurarem por receitas domésticas de ketchups, encontram dezenas, de frutas, de frutos secos, de legumes, de pimentas, de anchovas, até de ostras e, bem tradicionalmente, como direi adiante, de cogumelos. O que define um ketchup, na generalidade, é ser um molho em que entra com relevo uma mistura agri-doce, bem como variados temperos. Ao contrário do que se posa pensar, a sua origem não é americana mas sim oriental (de onde deriva o nome ketchup) e foi trazido por colonos ingleses primeiro para a Grã-Bretanha e daí para a América.

Falei do ketchup de cogumelos por ainda há dias ter ouvido num dos programas de festas de Heston Blumenthal que ele usa esse ketchup como ingrediente em muitos pratos, como evocação histórica. Fiquei com curiosidade e procurei nos sítios do costume, aqui em Lisboa. Nada. Obter a receita de Heston, nem pensar. Podia adquirir o molho por encomenda para Inglaterra, por exemplo à Amazon. Mas, já agora, prefiro tentar uma receita caseira, tirada da net, embora não possa garantir a sua genuinidade.
500 g de cogumelos (farei com selvagens), 30 g de boletos liofilizados, 1 cebola (ou 4 chalotas), 1 dente de alho, 10 grãos de pimenta da Jamaica, 4 cravinhos, 1 c. chá de noz moscada ralada a fresco, 1 c. sopa de sal, 1 folha de louro, 1 c. café de gengibre ralado, 1 c. café de pimenta preta moída a fresco, 4 dl de vinagre de vinho branco, 6 dl de água, 5 cl (1 cálice) de xerez. 
Limpar e escovar os cogumelos. Se necessário, passar rapidamente por águas e escorrer. Cortar em fatias finas, embrulhar bem no sal, cobrir e deixar 1 dia, mexendo ocasionalmente. Não estranhe ficarem muito escuros, que é o que vai dar cor ao molho, quase como um molho Worcestershire. Uma hora antes da preparação, demolhar os boletos na água quente, até amolecerem. Moer em liquidificadora, com a água, decantada de impurezas. A seguir, moer os cogumelos salgados e juntar os dois purés. Na liquidificadora, moer até puré as chalotas e o alho, com metade do vinagre, acrescentando aos purés de cogumelos, com o resto do vinagre. Passar para um tacho, temperar e levar à fervura, baixando depois o lume para fervilhar durante 60-90 minutos, mexendo com frequência, até molho grosso. Passar por chinês ou coador e moer de novo, para textura cremosa aveludada. Levar novamente à fervura, juntar o xerez e distribuir por frascos fervidos, como se faz para as compotas. Deixar maturar 2 semanas antes de usar.
Há outras receitas que incluem açúcar, mostarda, pimenta da Caiena. A salga inicial não faz parte da maioria das receitas mas parece-me ter bom efeito. Hei-de fazer de ambas as maneiras e comparar. Também, ao que me dizem, os molhos comerciais têm a consistência de um molho de soja, enquanto que esta receita é de um molho mais espesso.

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Estava pronto para publicar esta entrada quando dou por um texto de Deana Sidney que inclui a receita (verdadeira?) do molho de Heston, baseada em versões seculares, nomeadamente do século XVIII (1755, o do terramoto) e transcrita num livro de 1846, de Sanderson, “The Complete Cook”. Diz a autora que é a receita do molho que, no restaurante londrino de Heston, o Dinner, acompanha, com outros molhos, todos os pratos de carne. Não difere muito da receita que transcrevi acima.

Como muitas vezes faz ao basear-se na cozinha histórica inglesa, Heston usa a receita tradicional, do século XVIII, como um dos passos da sua própria receita. Para este “ketchup primitivo”, usar 
800 g de cogumelos, 30-45 g (2-3 c. sopa) de sal, 1 c. sopa de pimenta preta em grão, 1/2 c. sopa de grãos de pimenta da Jamaica, 1 c. sopa de brandy. 
Picar fino os cogumelos e misturar bem com o sal, numa tigela. Deixar 2 dias, mexendo de vez em quando. Temperar, passar para um frasco com tampa roscada e colocá-lo num tacho com água a fervilhar, 2 horas. Juntar o brandy. Coar, comprimindo.
Para o molho final à Heston,
Picles de cogumelos: 200 g de cogumelos, 300 ml de vinagre, 100 g de açúcar. Sumo: 1,5 de cogumelos, 75 g de sal. Molho: 1 chalota, 120 ml de vinho tinto, 60 ml de vinagre de vinho tinto, 1 c. café de noz moscada raspada, 2 cravinhos. 
1) Pickles. Ferver o vinagre e o açúcar, a dissolver. Derramar numa tigela sobre os cogumelos cortados em quartos. Deixar a marinar 24 horas. 2) Sumo. Picar fino os cogumelos e envolver com o sal. Meter num saco de musselina e apertar bem, torcendo. Colocar sobre uma tigela, 24 horas, para recolher o sumo que pinga. 3) Molho. Misturar o vinagre, o vinho, a chalota picada e os temperos, fervendo até reduzir 2/3. Coar. Fazer ketchup tradicional, como descrito acima e engrossá-lo, coado, com 1 c. sopa de maizena diluída num pouco de água. Juntar ambos os líquidos. Servir com os cogumelos em pickles.

2 comentários:

  1. Claro que há o ketchup de tomate, mas não dei a receita porque acho que, na prática, ninguém a vai usar. É mais fácil comprar no supermercado.

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