terça-feira, 30 de setembro de 2014

Restaurante de almoço

Abundam os restaurantes de almoço, nas zonas de emprego sem clientes para o jantar. Até muitos restaurantes de alta/média cozinha se renderam a esta evidência, angariando ao almoço, a preços razoáveis, o lucro que permite investir em bom jantar.
No entanto, a maioria desses restaurantes de almoço ou são de centro comercial ou atascados. Por isto, dá gosto ver e registar um pequeno restaurante aqui ao pé de mim, em Alfragide, “A Escadinha”. A cozinha está a cargo de um jovem profissional, visivelmente com escola. O menu desta semana, imaginativamente muito invulgar para este tipo de restaurantes, inclui, entre outras coisas, sempre a 7 €, secretos de porco preto com risoto de maçã, pataniscas de polvo com arroz malandrinho de tomate, peito de frango corado com rösti e fricassê de espargos.
Só não posso ainda dizer do depois da prova. Lá irei um dia destes.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A arte de personalizar

Já várias vezes tenho aqui escrito que não é difícil respeitar quanto baste a culinária tradicional. Um pouco de bom senso e controlo do novo-riquismo, é o mais importante, não se vá fazer alheiras com caviar e trufas. Também um pouco de técnica, para não se cair em erros que diminuem o prato, como a voga actual, em restaurantes pouco profissionais, mas até premiados, do arroz de marisco, ou seja de que for, feito com arroz agulha em vez do nosso especialmente adequado carolino. O melhor mesmo é não se preocuparem com a genuinidade da vossa receita e o seu rigor culinário e irem pela da avó, de que sempre gostaram.
Vem isto a propósito de eu ter no congelador duas embalagens de uns grandes miolos de búzios e me ter apetecido uma feijoada de búzios. Fiquei a pensar nessa coisa da cozinha "tradicional". Hoje, come-se a feijoada de búzios (ou de chocos ou até de camarão) em toda a costa algarvia e alentejana, até mesmo em Lisboa e na península de Setúbal. Há 30 anos, quase ninguém a conhecia. Foi uma invenção ou o efeito de uma maior difusão (férias e viagens) de um prato regional mais localizado? Por um lado, o meu desconhecimento até prova em Portocovo, lembro-me bem, há bem vinte anos vem ligar-se à omissão de referência por dois peritos, Maria de Lourdes Modesto e Olleboma, embora este menos regionalista. Por outro lado, velhos amigos algarvios me asseguravam que sempre a tinham comido na sua província. Por onde a comi em velhos restaurantes algarvios, fiquei com a ideia de uma feijoada tradicional, feita com búzios grandes, feijão vermelho e pimento verde, salsa e louro.
Uma das consequências frequentes destas divulgações rápidas de pratos (mesmo de cozinha internacional estabelecida), porque nem suficientemente normalizada, é a variação de ingredientes e de processos de confecção. Fico sempre com a ideia de que são cozinheiros que, com essa variação pessoal, estão à espera de conseguir “o melhor bolo de chocolate do mundo” (como se isso existisse).
Se um prato regional ou tradicional só recentemente é que entrou no circuito do gosto geral das pessoas, é lógico que custe mais a ser estabelecida a sua norma do que a de um prato muito antigo e generalizado. Mesmo assim, quem andar pela net, surpreender-se-á com algumas receitas bizarras de carne de porco com amêijoas, de bacalhau à Brás ou de frango na púcara. E é recomendável não se ir ler blogues brasileiros…
Uma qualquer feijoada não tem nada que se lhe diga. O ingrediente principal cozido à parte e reservando-se a água, um refogado de cebola e alho, acrescentado de tomate, depois a “substância”, o feijão, os temperos e um pouco da água de cozer. Mas, tendo encontrado já tantas variedades de feijoada de búzios, à vista e ao saborear, também me sinto no direito de tentar a minha, sem desvirtuar o essencial.
Para 4 pessoas. 600 g de miolos de búzios, 800 g de feijão catarino cozido (em lata ou frasco, ou feijão manteiga), 80 g de bacon, 500 g de tomates frescos ou 2 dl de polpa de tomate, 1/2 pimento verde, 1 haste de poejo, 1 folha de louro, 2 dentes de alho, 1 cebola grande, 1 dl de azeite, 2 dl de vinho branco, sal q.b. pimenta preta q.b. 4 grãos de pimenta da Jamaica esmagados, 1 c. sobremesa de massa de malagueta, 1 c. sobremesa de massa de pimentão. 
Cozer os miolos em água e sal, cerca de 45 a 60 minutos. Depois de cozidos, retirar para uma vasilha e deixar arrefecer. Cortar em pedaços. 
Num tacho, à parte, refogar, em azeite, o alho e a cebola picados finos, com a folha de louro e deixar alourar. Em seguida, adicionar o bacon às tiras e o pimento, depois de limpo de pevides e lavado, cortado em dados pequenos. 
Entretanto, tirar o pé aos tomates, escaldá-los em água a ferver, para mais facilmente tirar a pele e as pevides. Picar os tomates e pô-los no refogado. Deixa apurar. 
Juntar os pedaços de búzio e temperar, volteando-o durante meio minuto. O mesmo com o feijão, adicionando no fim parte do líquido da sua cozedura. Ferver até apurar.
Vê-se facilmente que há muitos toques pessoais, mas não adulterantes. O feijão é o de todas as feijoadas da minha infância, o catarino,  na minha terra chamado de rajado. As pimentas e o poejo são minhas prelecções, bem como as massas de malagueta e de pimentão. E façam lá assim e comparem com as feijoadas que vão comer aos restaurantes.
A minha morena, que entre sorriso como só a morna tropical desperta e sabedoria dos sabores ancestrais da avó Mariana, acrescentou o que feijão não dispensa, farinha de mandioca torrada. Saravá, meu amor!