domingo, 27 de março de 2016

O meu cabrito assado

Há bastantes anos que cumprimos a tradição do cabrito no domingo de Páscoa, mas, sendo a minha morena angolana, comemos normalmente uma ótima caldeirada de cabrito. Gosto muito, mas creio que ainda prefiro o cabrito assado. Coube-me este ano a escolha e a sua preparação.
Gosto muito de fazer cozinha tradicional, em geral com um toque pessoal não descaracterizador, e principalmente as cozinhas açorianas, com destaque, sendo eu híbrido, para a micaelense e terceirense.
Em nenhuma das ilhas é vulgar comer-se cabrito ou borrego. Gado caprino é só para queijo fresco, excelente o das Furnas, hoje impossível por causa da brucelose. Na imensa recolha de receitas de Augusto Gomes (“Cozinha Tradicional da Ilha de S. Miguel”, ed. Secretaria Regional da Educação e Cultura dos Açores, 1988), apenas se incluem duas receitas de cabrito assado, que se distinguem da generalidade das receitas continentais pela marinada prévia da carne. É, aliás, um uso vulgar na maioria dos cozinhados de carne açorianos, assados, estufados ou guisados (com a notável exceção da irónica alcatra terceirense).
Foi com base nisto que preparei o cabrito assado no forno, com base na minha versão de vinha de alhos, como publicada no meu livro “Gosto de Bem Comer” (que disponibilizei como e-book). Foi a primeira vez que o fiz, coisa arriscada em dia de festa com convidados, mas foi unanimemente elogiado. Não é para me gabar…, mas concordo.
Ingredientes, 4 pessoas:
1,6-1,8 kg de cabrito aos pedaços grandes, 100 g de banha, 100 g de manteiga (ou, para efeitos de saúde, margarina dietética de cozinha), 16 batatas pequenas para assar (Agria, Ágata, Monalisa, pequenas), 4 dentes de alho, 1 folha de louro, sal, 1/2 c. chá de massa de malagueta. Vinha de alhos: 2 cebolas, 4 dentes de alho, 3 limões galegos (ou 1 tangerina, 1/2 limão e 2 limas), 1 folha de louro, 2,5 dl de vinho branco, 1 dl de vinagre, água q. b., 1 c. sobremesa de massa de malagueta, sal, 12 grãos de pimenta preta, 6 grãos de pimenta da Jamaica, 1 c. sopa de colorau, 1 raminho de salsa, 1 haste de tomilho, 1 raminho de alecrim/rosmaninho.
Preparação:
Preparar de véspera a vinha de alhos, com a cebola aos gomos, os dentes de alho não pelados e esmagados, os citrinos cortados em gomos e só ligeiramente espremidos, e os restantes ingredientes. Misturar bem com a carne, acrescentando água até cerca de metade da altura. Deixar em lugar fresco, mexendo várias vezes.
Escorrer os pedaços de carne, sem os secar, colocá-los em assadeira, cobrir com banha e manteiga e regar com a marinada. Assar a 200º durante 1 hora e depois a 160º, até bem crestado, cerca de mais 1,5 horas. Regar com o molho, de vez em quando e, se necessário, acrescentar um pouco de água.
Uma hora antes de pronto o assado, juntar as batatas, previamente escaldadas durante 5 minutos em água com o alho, o louro e a malagueta. Regar com o molho.
Resultado: um cabrito com sabores marcados mas não demasiadamente intensos a abafar a delicadeza da carne; pele bem tostada e carne macia e tenra, não seca (siga as indicações de temperatura!); ótimo molho; batatas com um sabor subtil e invulgar. Recomendo.

terça-feira, 15 de março de 2016

Um ótimo instrumento de cozinha

Este Natal, oferecemo-nos mutuamente uma Bimby, modelo 5 (no estrangeiro, a Vorwerk fabrica-a com a marca Thermomix). Durante anos, não quis ouvi falar de tal coisa, com a ideia de que aquilo tirava toda a arte e graça ao cozinhar. Depois de ver uma demonstração e pesquisar um pouco, rendi-me. Não tanto para fazer as receitas (aliás boas, para o dia a dia) que a Bimby traz, mas principalmente para adaptar à máquina as minhas próprias receitas.
Tudo o que é necessário é dominar algumas operações básicas (picar, refogar, estufar, preparar massas, cozer a vapor) e usá-las como se quiser ou como se deve. E aqui é que está a negação do meu anterior preconceito: é preciso à mesma criatividade e boa técnica, bem como o esforço para apurar a receita. Três grandes vantagens adicionais: limpeza (deixei de fazer o lixo de que a minha mulher tanto se queixa), reprodutibilidade e controlo perfeito da temperatura. Sá não se pode fritar bifes ou assar!
Aqui fica, como primeiro exemplo, o meu almoço de domingo, um vulgar Strogonoff, coisa de agrado geral, com a minha variante da receita o mais clássica possível (ninguém conhece a receita original; eu sigo as descrições mais antigas, com pequenos toques de diferença). Essas que tenho remetem sempre para a descrição tida como a mais antiga, de 1871, “carne à strogonov com mostarda”, de Elena Molokhovets.
Ingredientes. 800-900 g de carne de lombo, 75 g de manteiga, 20 g de farinha, 1 calice de aguardente, g de chalotas (ou, como mais frequentemente, g de cebola), 200 g de cogumelos portobello castanhos (ou de Paris), 100 g de vinho branco, 100 g de caldo de carne, 275 g de nata azeda (ou 150 g de nata e 125 g de iogurte simples), 15-20 g de mostarda de Dijon, 1 folha de louro, sal, pimenta preta em dose generosa, 1 c. chá de paprica.
Preparação.
Cortar a carne em tiras finas, com cerca de 4x1 cm.
Colocar no copo 50 g de manteiga e a carne, 4min/120º/vel. colher.
Flamejar com a aguardente. Envolver na farinha, 1min/120º/colher. Temperar.
Reservar. Colocar no copo as chalotas ou cebola cortadas em pedaços e picar, 5seg/-/vel 5. Com a espátula, arrastar para o fundo.
Juntar o resto da manteiga e refogar, 5min/120º/1.
Juntar os cogumelos fatiados, 2min/120º/colher.
Acrescentar o vinho, o caldo e a folha de louro., mais a nata azeda e a mostarda. 3min/85º/colher.
Voltar a juntar a carne e o seu suco, misturar 30seg/-/colher.
Servir com arroz branco (receita padrão da Bimby).
Notas. As medidas vão em gramas, porque a Bimby serve de balança. A carne de lombo que usei foi comprada no talho do Corte Inglês (carota…) e era das melhores e mais macias carnes de lombo de que me lembro.